Gazeta Maringá

Gazeta Maringá: As notícias mais lidas no Brasil e no Mundo. Tudo sobre agricultura, pecuária, clima, mercado e inovação no agro

Fóssil gaúcho de 260 milhões de anos revela segredos

Fóssil gaúcho de 260 milhões de anos

Uma descoberta no coração do Pampa está reescrevendo um capítulo crucial da pré-história. Um fóssil gaúcho de 260 milhões de anos, analisado com tecnologia de ponta, oferece pistas inéditas sobre a sobrevivência na maior extinção em massa que a Terra já enfrentou. A pesquisa foi conduzida por uma colaboração internacional de cientistas.

São Gabriel, RS – Em uma pacata região do interior do Rio Grande do Sul, um fóssil encontrado há cerca de uma década guardava segredos selados por milênios. O crânio do Rastodon procurvidens, um pequeno herbívoro parente distante dos mamíferos, permaneceu com a “boca fechada” todo esse tempo. Era um verdadeiro enigma de pedra. Agora, graças a uma minuciosa análise com microtomografia computadorizada, cientistas da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) e do Museu Nacional (UFRJ) conseguiram um feito notável: abrir virtualmente sua mandíbula.

O estudo, publicado na prestigiada revista científica Zoological Journal of the Linnean Society, permitiu uma análise sem precedentes de sua estrutura óssea interna. “O Rastodon estava literalmente com a boca fechada há mais de 250 milhões de anos. Com a microtomografia, conseguimos abri-la e revelar aspectos incríveis da sua história evolutiva”, destacou João Lucas da Silva, paleontólogo da Unipampa e líder da pesquisa.

Uma janela para o período permiano

Para entender a magnitude desta descoberta, é preciso viajar no tempo. O Rastodon procurvidens viveu durante o final do período Permiano, uma era que culminou na mais severa extinção em massa da história. Este evento catastrófico eliminou cerca de 90% de toda a vida no planeta. Os dicinodontes, grupo ao qual o Rastodon pertence, eram herbívoros dominantes na época. Portanto, entender como eles sobreviveram é um dos grandes quebra-cabeças da paleontologia.

Este pequeno animal, encontrado na formação geológica Rio do Rasto, é uma peça-chave nesse quebra-cabeça. O fóssil, catalogado como “UNIPAMPA 317”, está excepcionalmente bem preservado, o que o torna um dos mais completos do seu tipo já encontrados na América do Sul. Uma de suas características mais peculiares, agora confirmada em detalhes, são suas presas curvas e projetadas para a frente, algo incomum em seus parentes.

A tecnologia desvendando o fóssil gaúcho de 260 milhões de anos

A grande estrela deste novo estudo é, sem dúvida, a tecnologia. A microtomografia computadorizada (micro-CT) gera modelos 3D digitais de altíssima precisão. Essa técnica não destrutiva permitiu que a equipe de pesquisadores “dissecasse” o fóssil digitalmente, sem mover um grão de rocha. A colaboração também contou com cientistas das universidades americanas de Princeton, Harvard e North Carolina State.

“Ferramentas modernas nos permitem revisitar fósseis já conhecidos e extrair informações surpreendentes”, celebrou Voltaire Paes Neto, pesquisador do Museu Nacional. A análise digital revelou a microestrutura óssea, confirmando que se tratava de um animal jovem adulto que ainda tinha um pouco a crescer. Além disso, os dados ajudaram a reposicioná-lo com mais segurança na árvore evolutiva, na família dos emydopoides, um grupo conhecido por incluir espécies com hábitos escavadores.

Sobrevivendo ao fim do mundo

A descoberta de que o Rastodon provavelmente cavava tocas é uma pista fundamental para explicar sua sobrevivência. Segundo o professor Felipe Pinheiro, da Unipampa, essa adaptação pode ter sido a chave para resistir à extinção em massa. “O tamanho reduzido de alguns dicinodontes e seus hábitos de vida ajudam a explicar por que eles sobreviveram”, explicou Pinheiro. Viver no subsolo teria oferecido proteção contra as drásticas mudanças climáticas.

A pesquisa também reforça o protagonismo da América do Sul na história evolutiva desses animais. Anteriormente, acreditava-se que a linhagem teria surgido na África, mas a presença do Rastodon no Brasil sugere que o continente sul-americano foi um importante centro de diversificação para o grupo.

O fóssil gaúcho de 260 milhões de anos: legado de pedra do Pampa

O estudo do Rastodon procurvidens é um exemplo brilhante de como a ciência moderna extrai narrativas complexas de fósseis silenciosos. O que era uma rocha curiosa, transformou-se em uma fonte rica de dados sobre evolução e resiliência.

Cada detalhe revelado ajuda a compor um retrato mais nítido de um ecossistema antigo e das estratégias que permitiram a sobrevivência. No fim das contas, a história do Rastodon não é apenas sobre um animal extinto; é sobre a tenacidade da vida. O pequeno escavador do Pampa, com a boca finalmente aberta pela ciência, ainda tem muito a nos ensinar.

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *