Imagine encontrar o osso de uma criatura gigantesca, diferente de tudo o que conhecemos hoje. O que você pensaria? Um monstro? Um gigante mitológico? Durante milênios, a humanidade se deparou com fósseis de dinossauros e, sem o conhecimento científico que temos, as interpretações eram as mais variadas e fantásticas possíveis. Conheça a história do primeiro dinossauro.
Ano passado, comemoramos um marco histórico: os 200 anos da primeira descrição formal de um dinossauro não aviano. Esta é a história de como a curiosidade humana transformou ossos misteriosos na ciência que hoje conhecemos como paleontologia, começando muito antes de a palavra “dinossauro” sequer existir.
Dragões, Gigantes e as Primeiras Interpretações
Uma das perguntas mais comuns é se os povos antigos saberiam identificar um fóssil de dinossauro. A resposta é um categórico não. A ideia de “dinossauro” como a conhecemos é uma construção do século XIX. Antes disso, os achados eram frequentemente associados a mitos e lendas.
Na China, por exemplo, famosa por seus fósseis incrivelmente preservados, é difícil acreditar que ninguém tenha encontrado um esqueleto de dinossauro ao longo de sua vasta história. Muitos associam esses achados à origem dos mitos de dragões. Embora a medicina tradicional chinesa mencione “ossos de dragão”, a ligação direta com fósseis de dinossauros é difícil de comprovar. É mais provável que a inspiração para os dragões chineses tenha vindo de animais reais, como os aligátores-da-china.
No entanto, interações mais concretas foram descobertas em outras partes do mundo. Na Bacia Geológica de Souza, na Paraíba (Brasil), pesquisadores encontraram petróglifos — gravuras rupestres — feitos por povos indígenas ao lado de pegadas de dinossauros com cerca de 140 milhões de anos. Essas marcas, que podem ter até 9.400 anos, mostram que os antigos habitantes não apenas viram as pegadas, mas as reconheceram como rastros de animais.
Eles identificaram rastros de saurópodes (os “pescoçudos”), ornitísquios (herbívoros) e terópodes (carnívoros). As pegadas dos terópodes, muito semelhantes às de emas, provavelmente foram facilmente reconhecidas. O mais impressionante é que até as pegadas arredondadas dos saurópodes foram marcadas, sugerindo que talvez a memória da megafauna extinta, como os mastodontes, tenha ajudado na identificação.
Os Primeiros Passos da Ciência Europeia
A transição da mitologia para a ciência foi lenta e cheia de curiosidades. A jornada para entender o que eram esses ossos gigantes começou para valer na Europa.
Em 1676, um fragmento de osso foi enviado ao professor Robert Plot, da Universidade de Oxford. Ele corretamente identificou o fóssil como a ponta inferior de um fêmur, mas não sabia a que animal pertencia. Suas hipóteses? Poderia ser de um elefante de guerra romano ou, mais fantasticamente, de um gigante bíblico. Esse fóssil, infelizmente, se perdeu com o tempo.
Décadas depois, em 1763, o mesmo osso foi ilustrado em um livro de Richard Brookes, que o nomeou de Scrotum humanum. O nome, bastante sugestivo devido ao formato do fóssil, tecnicamente seguia as novas regras de nomenclatura binomial criadas por Lineu. Por muito pouco, este não se tornou o primeiro nome científico oficial de um dinossauro! No entanto, como o fóssil foi perdido e não foi identificado corretamente, o nome caiu no esquecimento.
William Buckland e a Descoberta do Megalosaurus
O verdadeiro ponto de virada aconteceu no início do século XIX. Em 1815, diversos ossos fossilizados — incluindo um pedaço de mandíbula com um dente, fragmentos da bacia e algumas vértebras — foram encontrados na Inglaterra e enviados ao Reverendo William Buckland, um geólogo e paleontólogo da Universidade de Oxford.
Buckland, uma figura excêntrica conhecida por querer provar o sabor de todas as espécies de animais, dedicou anos ao estudo do material. Com a ajuda do colega William Conybeare, ele concluiu que os ossos pertenciam a um réptil de proporções colossais.
Em fevereiro de 1824, Buckland publicou sua descrição formal, batizando a criatura de Megalosaurus, que significa “grande lagarto” em grego. Esta foi a primeira vez que um dinossauro não aviano foi corretamente identificado como um réptil gigante extinto e nomeado cientificamente. O Megalosaurus era um terópode de grande porte que viveu durante o período Jurássico. Hoje, acredita-se que tanto o fêmur do “gigante bíblico” quanto outros fósseis encontrados anteriormente pertenciam, na verdade, a um Megalosaurus.
Iguanodon, Hylaeosaurus e o Nascimento do Termo “Dinossauro”
A descoberta de Buckland abriu as portas para uma nova era de exploração. Pouco tempo depois, o médico e geólogo amador Gideon Mantell, junto com sua esposa Mary Ann, descobriram dentes fósseis que lembravam os de uma iguana, porém muito maiores. Em 1825, ele descreveu o Iguanodon (“dente de iguana”). Anos mais tarde, em 1833, Mantell também descreveu o Hylaeosaurus (“lagarto da floresta”), um dinossauro encouraçado que conhecemos hoje como anquilossauro.
Com três répteis gigantes e extintos descritos (Megalosaurus, Iguanodon e Hylaeosaurus), ficava claro que eles formavam um grupo distinto. Foi então que entrou em cena o brilhante e controverso cientista Richard Owen.
Em 1842, Owen analisou os fósseis e notou características únicas que os uniam e os diferenciavam de outros répteis, como as cinco vértebras fundidas na região do quadril. Ele percebeu que esses animais não eram apenas “grandes lagartos”, mas algo completamente novo.
Em sua publicação, Owen propôs um nome para este novo grupo de répteis:
“A combinação desses caracteres (…) provê base suficiente para estabelecer uma diferente tribo ou subordem de répteis sáurios, para a qual eu proporia o nome Dinosauria.”
Derivado do grego “deinos” (terrivelmente grande) e “sauros” (lagarto), o nome “dinossauro” nasceu. A sugestão de Owen não apenas pegou, como definiu para sempre nossa percepção sobre essas criaturas magníficas.
Duzentos anos depois, a descoberta do Megalosaurus continua sendo um lembrete poderoso de como a ciência avança: da curiosidade, passando pela observação cuidadosa, até a coragem de nomear o desconhecido.
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